Uma
abordagem teórica: “Apologia de Sócrates” de Platão.
Por:
DONALDO DE ASSIS BORGES
A
análise do texto passa pela superação de algumas questões que não
ficam evidentes na obra. Seria essa obra a descrição fiel das
palavras de Sócrates perante o Tribunal de Atenas? Seria essa uma
forma de Platão dizer o que pensava sobre as injustiças sofridas
por Sócrates, julgado não pela sua filosofia mas por questões
evidentemente políticas? Seria a obra uma forma de demonstrar as
pressões da política sobre a filosofia que para ele era uma forma
superior de saber e que deveria dirigir os rumos da
política?
Evidentemente, não temos as respostas
para essas perguntas. Quanto à posição pessoal do autor, porém
depreende-se a sua concordância com as argumentações expressas nas
palavras de Sócrates.
Neste sentido, a análise
sobrecairá sobre as argumentações, as ideias, os conceitos, os
problemas levantados, contra-argumentos, refutações etc, procurando
compreendê-los a partir das regras de abordagem teórica aprendidas
na disciplina.
A obra compõe-se de um preâmbulo e
três partes. Na primeira, está “a defesa” de Sócrates onde
consta o diálogo com Meleto, na segunda, “a pena” e “do
esperado da pena”, e na terceira parte, “após a condenação”
e “aos que votaram contra”, onde Sócrates faz uma reflexão
sobre as suas convicções de vida e morte, e a relação com os
deuses.
A obra está estruturada sob a forma de
diálogo. O diálogo filosófico privilegia a função destinatário.
Porém, o seu desenrolar não ocorre de forma pacífica, mesmo porque
o contexto não permite a amistosidade. O autor não se apoia no
interlocutor com liberdade. Trata-se de uma acusação a ser
refutada. Eis a acusação, datada de janeiro de 399 a. C.:
“A seguinte acusação escreve e jura Meleto, filho Meleto, do povoado de Piteo, contra Sócrates, filho de Sofronisco, do povoado de Alópece. Sócrates é culpado de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, de introduzir novos cultos, e, também, é culpado de corromper a juventude. Pena: a morte” (Platão. 1999, p.59).
Nesta
época, a cidade de Atenas não podia mover ações, mas um cidadão
podia, assumindo, porém, total responsabilidade, se a acusação não
fosse considerada pelo júri. Meleto não estava só, a ele haviam se
juntado Ânito e Lícon, com os mesmos direitos à palavra no
tribunal. Entendiam os acusadores que Sócrates era
“réu de haver-se ocupado de assuntos que não eram de sua alçada, investigando o que existe embaixo da terra e no céu, procurando transformar a mentira em verdade e ensinando-as às pessoas” (Platão. 1999. p. 69).
Por
isso, Sócrates logicamente se concentra em uma argumentação
contrária a seus adversários, que em alguns momentos se torna
pessoal. Quando o filósofo responde a seus adversários por
refutação, tentando invalidar as teses opostas à sua, fala-se em
função polêmica. A intertextualidade se escora na função
dialógica e polêmica. Nesse caso a função dialógica é
introspectiva, ou seja, ela vem à tona nos momentos em que Sócrates
retrocede ao passado para reforçar a sua argumentação de defesa na
tentativa de esvaziar a acusação. Neste caso, a função polêmica
não se dá entre filósofos, mas entre Sócrates e seus acusadores,
e sobre isso não há conciliação.
O processo
argumentativo tem como emissor/autor a figura de Sócrates. É ele
quem defende e elabora a argumentação expõe de forma clara ao
receptor/destinatário/leitor. Para isso, é necessário que ele
conheça o receptor. No contexto da defesa os receptores são os
juízes do tribunal de Atenas (auditório particular). Porém, o
texto de Platão, aqui considerado como emissor/autor, o receptor
/destinatário /leitor é o sujeito universal (auditório universal).
Isto porque, o processo de validação na enunciação universal se
dá na medida em que a presença do autor é apagada, e isto
constitui por si uma forma de validação. Não são percebidos os
pontos de vista pessoais do autor, estes não são identificáveis se
são de Sócrates ou do próprio autor. Os pontos de vista são
reduzidos a idéia central de Sócrates que não havia cometido
nenhum ilícito e que estava sendo acusado injustamente. Essa a tese
central: o desenvolvimento puro e simples de uma filosofia sem
qualquer consequência danosa para a sociedade.
Diante
dos elementos que compõem uma argumentação, podemos destacar que o
problema, ou seja, a questão a qual o filósofo busca resposta, é a
acusação de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo
Estado, de introduzir novos cultos, e, também, de corromper a
juventude ateniense. A tese defendida pelo filósofo, em resposta às
acusações, é a de que nada mais fazia do que filosofar. A sua
teoria era a de que não havia quem pudesse dizer-se prejudicado com
os seus ensinamentos. Os seus argumentos, recheados de ironia, faziam
corar os acusadores, que, pela força dos argumentos ficavam sem
palavras para prosseguir na acusação. Por isso, a
contra-argumentação, ou seja, as razões contrárias à tese
defendida, certamente não prevaleceriam num julgamento justo. As
refutações do filósofo não são feitas propriamente segundo um
diálogo polêmico se considerarmos que ele mesmo coloca a questão e
supõe as eventuais respostas, e sobre elas argumenta minimizando a
importância dos eventuais argumentos contrários com intuito de
convencer os juízes do tribunal.
No momento em que
interpela Meleto, Sócrates retira dele conclusões que por certo o
absolveriam. Isso o leva a acusar Meleto de ser ele o réu porque
estava abordando assuntos sérios e tão inescrupulosamente o levara
ao tribunal.
A conclusão do filósofo foi a de que
ele não havia cometido nenhum crime diferentemente dos juízes que
julgaram precedente a ação para condenar Sócrates à pena de
morte.
Porém, Sócrates é fiel às suas convicções
e não admite renunciar ao que ensinou. Admite ser melhor morrer e
ficar livre de fadigas. No entanto, faz um pedido. Que no futuro,
seus filhos sejam castigados da mesma forma que ele se estivem
cuidando mais da riqueza ou de outra coisa que da virtude; se
estiverem supondo ter um valor que não tenham, se suporem méritos
que não os tenham. Dai que, se assim agirem, terá ele recebido
deles a justiça, e também os seus filhos.
Sócrates
pautou sua vida por uma ética post mortem, ou seja, na crença de
que a conduta virtuosa e verdadeira durante a sua vida, lhe daria a
paz necessária e a credibilidade moral para ser recepcionado pelos
deuses.
Em razão disso, e também do julgamento
injusto, previne que era chegada a hora de partirem, ele para a
morte, o outros para a vida. E sobre quem seguiria melhor destino, se
ele, ou os outros, era um segredo para todos, exceto para os deuses.
REFERÊNCIAS
PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
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[1] Donaldo de Assis Borges. Advogado e Professor Universitário em Franca/SP.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
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[1] Donaldo de Assis Borges. Advogado e Professor Universitário em Franca/SP.
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